quarta-feira, 16 de julho de 2008

Paradoxo no shape room

Atualmente, a maioria das pranchas produzidas no mundo é feita de blocos de poliuretano revestidos com fibra de vidro e resina poliéster, materiais comprovadamente tóxicos, poluentes e inflamáveis. De acordo com o site da Association Clean Shaper, cerca de 600 mil pranchas são produzidas por ano por este método. Até hoje, poucas experiências foram realizadas para tentar reverter este tóxico processo e encontrar formas de dar um fim ecológico aos resíduos gerados, incluindo pranchas velhas. Segundo especialistas, são desperdiçados até 50% da matéria-prima usada na confecção de uma prancha.

No Brasil, o resultado disso correspondente a cerca de 380 toneladas de substâncias tóxicas e inflamáveis depositadas por ano em "lixões" ou aterros simples, sem qualquer tratamento ambiental. Rígidas políticas de controle ambiental da Califórnia levaram ao fechamento, em dezembro de 2005, da gigante mundial Clark Foam, à época detentora de 90% do mercado norte-americano e cerca de 60% do mercado mundial de blocos de poliuretano.

Em busca de soluções

E no resto do mundo, algo está sendo feito para reverter esse quadro? Por enquanto, pode-se falar apenas em ações isoladas, mas já é um começo para uma mudança de consciência. O primeiro passo seria encontrar formas de minimizar os impactos gerados pelo processo tradicional de fabricação. "Apesar de os processos industriais terem evoluído muito nas últimas décadas, as fábricas de pranchas ainda operam praticamente da mesma maneira que há 40 anos", atesta o surfista Paulo Eduardo Grijó, coordenador do Projeto Marbras et Mundi (Movimento Associativo de Reciclagem Brasileira no Surf e no Mundo).

Mestre em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina, Grijó sistematizou uma metodologia para minimizar o consumo de água, energia elétrica e geração de resíduos no processo fabril das pranchas de surf, além de pesquisar e criar métodos para a recuperação dos resíduos gerados. "Outra prerrogativa deste estudo é maximizar recursos naturais não renováveis, transformando o lixo industrial não eliminável em matéria-prima de segunda geração econômica, com o objetivo de valorizar estes materiais, gerar renda, novos produtos e novas oportunidades de trabalho", explica o engenheiro ambiental.

Na França, a Association Clean Shaper há três anos vem empregando recursos, tempo e energia na busca de novas soluções. "O franco-brasileiro Alexandre de Sonis é um dos responsáveis e já trocamos bastantes figurinhas sobre o assunto", conta Grijó.

Materiais alternativos

O segundo passo consiste em concentrar esforços na busca por materiais alternativos. Neste campo, uma forte tendência é a utilização cada vez maior do EPS (isopor) e da resina epóxi, menos tóxicos que o poliuretano e a resina poliéster e que podem ser reciclados. Há mais de 15 anos o shaper paulista Mario Ferminio se dedica ao aprimoramento dessa técnica. Em 2005 ele decidiu se mudar para Tubarão, em Santa Catarina, onde construiu uma nova fábrica e concebeu um método de produção ecologicamente correto. Hoje Ferminio afirma que consegue reciclar boa parte do lixo que gera.

"Minha fábrica possui estação de tratamento da água usada no polimento e um exaustor que capta e canaliza o pó gerado na lixa seca para um depósito. Além disso, para diminuir o consumo de madeira, passei a usar uma longarina de 3 mm no lugar de 6 mm. Tive que melhorar a qualidade do bloco e do tecido, mas compensa", afirma o shaper.

Recentemente, a multinacional alemã Bayer entrou no mercado com uma nova opção de matéria-prima para a produção de blocos de poliuretano, cuja fórmula substitui o tóxico TDI (Tolueno diisocianato) pelo MDI (Difenil Metano diisocianato), muito menos tóxico e menos agressivo à saúde que o primeiro, segundo os técnicos da Bayer. O novo bloco está em fase final de testes e será comercializado a partir de novembro pela Ocean King, com sede em São Paulo. "Nossa tecnologia é 100% nacional e não utiliza o gás CFC, prejudicial à camada de ozônio. Os resultados obtidos até agora são promissores", adianta Murilo Oliveira, proprietário da empresa.

Outros tipos de materiais também já foram experimentados na confecção de pranchas. A tradicional madeira (oca ou compensada), o softboard (bloco de poliestireno de alta densidade revestido com espuma de polietileno de célula fechada), a tecnologia desenvolvida pela Surftech, feita em molde com espuma expandida e resina epóxi, e até alguns tipos de materiais orgânicos como bambu, fibra de cannabis e um tipo de cipó encontrado na Amazônia. O shaper australiano Frank McWilliams, da Bamboo Surfboards, reveste blocos de EPS com uma espécie de lâmina de bambu e cobre com resina epóxi. Inclusive, o havaiano Sunny Garcia já venceu uma etapa do WCT em Bell's Beach usando uma das pranchas de Williams.

O renomado shaper Jim Banks decidiu experimentar a fibra de cannabis como alternativa. "Em 96, meu corpo já não suportava mais os efeitos de tanta química e fiquei desiludido com a toxicidade da indústria. Passei um tempo fora e quando voltei a Austrália, dediquei alguns anos ao desenvolvimento de uma tecnologia à base de fibra de cannabis. Infelizmente, acabaram os recursos para continuar a pesquisa", escreveu Banks em seu site. No entanto, um grupo britânico com foco ambiental, chamado Eden Project, produziu uma legítima "eco-board" apenas com materiais provenientes da natureza. Depois de shapeado, o bloco de madeira balsa é coberto com uma camada de fibra de cannabis que é laminada com um composto de resina derivado do óleo de uma planta.

Seguindo essa tendência, Grijó está iniciando uma pesquisa para tentar criar blocos a partir de fibras vegetais. "Nessa busca, encontrei uma que vem da Amazônia, de um cipó chamado Jagube, muito resistente e ao mesmo tempo flexível", explica. Para revestir, ele está pesquisando uma resina que é sintetizada a partir da casca de banana. "Os esforços são preliminares, mas a busca é incansável e na medida do possível vamos ceifando a lavoura da sustentabilidade. Aposto minhas fichas no poliuretano biodegradável utilizando óleos vegetais", diz Grijó.

Criatividade a serviço da ecologia

Às vezes, basta um pouco de criatividade para driblar as inconveniências da indústria. O artista plástico Darin Pappas, californiano que há alguns anos vive no Rio de Janeiro, decidiu dar um novo destino às pranchas velhas ou quebradas.
Com muito talento e inspiração, ele transforma esses verdadeiros "tocos" em belíssimas obras de arte, a que chama de "pranchas reencarnadas". As peças criadas por Pappas já rodaram o mundo em mostras e exposições.

"Uma prancha quebrada é apenas lixo, mas com memórias. Gosto de dar a elas novas identidades, sem esquecer que possuem histórias incríveis e já deram muitas alegrias aos seus antigos donos", comenta Pappas. Já os irmãos Igor e Jairo Lumertz, gaúchos que moram no Hawaii, fizeram um protótipo maluco com 85 garrafas pet, com quilhas feitas de CDs de música. Jairo inclusive usou a prancha na tradicional remada anual de Sunset até Waimea e fez sucesso entre o público.
Serviço

Marbras Et Mundi - paulosurfrecycle@yahoo.com.br
Association Clean Shaper - www.cleanshaper.com
Mario Ferminio - www.mfpranchaepoxi.com.br
Ocean King / Bayer - www.oceanking.com.br
Frank Williams / Bamboo - www.bamboosurfboards.com.au
Eden Project - www.edenproject.com/about/1364.html
Darin Pappas - www.ithaka.co.nr

Por Ricardo Macario - rmacario@edpeixes.com.br
(matéria publicada no Guia de Pranchas Fluir, outubro de 2007)

Fonte

Comentários
2 Comentários

2 comentários:

Felipe Siebert disse...

Bela matéria heim... parabens...

Anônimo disse...

Obrigado pela visita Felipe! Vi seu blog, e você esta de parabéns muito bom!

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